quarta-feira, 19 de setembro de 2007

RECONSIDERAÇÕES DE UM “DÉJÀ VU”

Não pretendo me referir aqui ao filme “Déjà vu”, dirigido por Tony Scott, com Denzel Washington, Val Kilmer, James Caviezel e Bruce Greenwood no elenco. Falo do vivido por mim... ou vivendo. Daquele em que vi um sofrer no dia-a-dia por carregar consigo o peso da sensitividade, que lhe rasgava o peito a sangue frio na vã tentativa de todos proteger, como se isso lhe pudesse ser possível. O outro, por sua vez, carregando outra qualidade para a dor: a sensibilidade. Este, como filho de Xangô que é, faz uso das letras o bálsamo para sua alma, quando atormentada vaga noite a fora, desprendendo-se de sua matéria-corpo, fluindo poesia e composições cortantes, que lhe insistem em retalhar a própria carne. Diferenças? Este carrega a delicadeza dos sentimentos, enquanto aquele, coitado, rude, era perturbado constantemente com o antes da chegada dos sentimentos, ele pré-sentia, sempre recebendo a anunciação da dor de seus irmãos de sangue, de copo e farra.

Aquele, na amarga constatação da incapacidade frente ao inevitável, acompanhava-se de Baco desde cedinho, ainda antes do labor, em um pequeno prédio que tinha à sua frente, na esquina, um lindo pé de flamboyant, cuidadosamente plantado por José Oceano Alves e registrado em sua obra poética. Obra essa, inclusive, resgatada em um pequeno sebo de Porto Velho por este, o outro, sonhador, também apreciador de seguidos goles, porém sem a mesma desenvoltura.

Carregam nas semelhanças, além da dor, o biótipo, que já fez o mais veterano dos botequeiros porto-velhenses, o Zizi, onde aquele se servia da pinga matinal, se confundir como se este fosse, quando este, por sua vez, também se deliciava com uma dose do aperitivo preferido de Exu, ao qual, em sua oferta, originou-se a “branquinha” destilada. Divergiam na acumulação de conhecimentos, sem que precisamente em quantidade, pois enquanto aquele trazia consigo a sabedoria da vida, este, apesar de ainda acreditar que os têm, carrega mesmo aquele advindo das academias, talvez daí o maior de todos os problemas. O dito homem comum aprendeu a ouvir a todos indistintamente, analisar e às vezes até mesmo agradecer por mais um aprendizado. Já o conhecimento acadêmico, costuma ser arrogante, pretensioso, desmedido e costuma sempre querer explicação sobre tudo, como se tudo fosse possível explicar. Se por vezes silencia, ainda assim reveste-se do silêncio para rejeição do argumentado.

Ambos, talvez, ainda nas semelhanças, nutrissem amor pela companhia da morte. Esqueceram que ela é certa, inevitável e óbvia. A vida, por sua vez, é de fato o verdadeiro milagre Divino e um desafio desde o processo de sua geração, pois por ela temos que lutar, cuidar, zelar e, de preferência, saber respeitá-la.

Aquele que carregava a beleza do conhecimento adquirido pela vida, quando certa vez definhava abandonado, desolado, em estado de degradação humana, teve a humildade de receber a ajuda de seus velhos pais, também pessoas comuns, que lhe estenderam as mãos para retirá-lo da difícil situação em que vivia. A humildade foi o laço essencial entre a oferta e o aceite do carinho e da atenção patri-maternal, pelo resgate à dignidade.

Já fui tomado pelo temor, outrora, quando da sensação de um “déjà vu”, pois agora, com os velhos e com aquele, já se foram a humildade, o conhecimento comum, a simplicidade... Mas, para minha felicidade, vejo que da proa, este - negro beiradeiro, retomou o remo, conduzindo a vida com maior serenidade e sabedoria... mesmo que em águas salgadas, bem distante de nosso Rio Madeira. Que Oxalá o proteja!

2 comentários:

Anônimo disse...

MEU amigo eu ia pasando, e resouvi parar para ler , fiquei muito impressionado a leitura é ótima

Unknown disse...

Jorge, é um prazer ler suas prosas e seus versos.
Gostei da dica, agora vou virar fã.
Parabéns!