domingo, 26 de agosto de 2007

DO MEU LADO HUMANO, DEMASIADAMENTE HUMANO


“Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte, dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me às asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filho de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera... quebra-me o encanto!”

- Não, ainda não foi desta vez que compartilhei desse lindo soneto de Florbela Espanca. Não, ainda não foi desta vez que me deixei seduzir por inteiro, por essa que a muito assusta e a outros, acreditem, encanta.

Era uma noite de sexta-feira, quase 19h, agosto, 24, quando o dia então entrava no descanso e a lua, quarto crescente, começava seu domínio sobre a noite. Uma curva, uma surpresa e o quase abraço daquele ser esguio, coberto por um manto preto e de posse de uma ferramenta utilizada na agricultura – a foice. Um provérbio africano nos ensina que “a esteira da morte está estendida em frente de todos os humanos”. Eu o sou, mas não foi desta vez que me deitei sobre ela. O medo que se abateu sobre mim naquele momento tinha um motivo forte: a Beth, mulher que amo, estava a meu lado. Essa sim, me preocupa a perda...

Mas, como dizia Schopenhauer, quem não tem medo da vida também não tem medo da morte. E a vida é coisa que muito me fascina – não obstante alguns que acreditem diferente. Assim não fosse, não passaria por tudo que passei nos últimos dois anos de minha vida, ainda acreditando naquilo que o filósofo alemão falou, quando diz que em geral, nove décimos da nossa felicidade baseiam-se exclusivamente na saúde. Com ela, tudo se transforma em fonte de prazer. Compreensível aquele pensamento, deve-se a Sócrates, pois com ele, o homem, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche, perdeu a sabedoria instintiva da arte trágica, restando apenas um aspecto da vida do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico, racional.

O certo é que aqui estamos meus amigos, Beth e eu, muito bem vivos, graças a Deus... E ainda na busca, diariamente, de viver a vida intensamente! Finalizo compartilhando o pensamento de Arthur Schopenhauer, que dizia que geralmente "preocupamo-nos com planos e preocupações para o futuro ou também com a saudade do passado, ocupam-nos de modo tão contínuo e duradouro, que o presente quase sempre perde a sua importância e é negligenciado; no entanto, somente o presente é seguro, enquanto o futuro e mesmo o passado quase sempre são diferentes daquilo que pensamos. Sendo assim, iludimo-nos uma vida inteira. O presente constitui o cenário da nossa felicidade, mesmo se a qualquer momento se vier a transformar-se em passado e, então, tornar-se tão indiferente como se nunca tivesse existido. Onde fica, portanto, o espaço para a nossa felicidade?"

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

SAUDADES DO MERCADO CENTRAL, por João Vianney *

Das minhas idas e vindas ao mercado central (trabalhava de domingo a domingo), lembro com saudades do Box Nº. 01 que pertencia ao meu pai Severino Semeão, caboclo nordestino nascido em Gravatá de Bezerros em Pernambuco, que chegou nesta cidade maravilhosa em meados de l960, trazendo consigo a literatura de cordel para Porto Velho, convidado pelo tio Ribeiro que era dono do Calçados Verlon localizado na Rua do Coqueiro.
Voltando ao Mercado Central, lembro-me de quase todos os feirantes os quais eram uma grande família. Como não lembrar o João do Boi com sua banca de tabaco e fumo de corda, da D. Maria oceano com sua farmácia, do seu José Félix (pai do Micharias) com sua lanchonete, onde eu lanchava um copo de refresco de maracujá com uma saltenha, do Jesuano com sua banca de vinil (LPS), onde eu gravei minhas primeiras fitas cassetes para ouvir no meu toca-fitas Panasonic (presente da minha irmã Luiza) onde nós (Ataíde, Dadá, Francisco (Pedro Bó) Jorge (Cabeça de onça) ainda criança perturbando a gente, ouvimos pela primeira vez o som de Raul Seixas, Secos e Molhados, Gilberto Gil e outros.
Lembro da banca da D. Marta que vendia Açaí e aquela maravilhosa salada de frutas, lembro também do Box do Dinho (irmão do Carlinhos Camurça) do Mica (irmão do Cota) do Sr. Zé da Risada, do Bolívia com seu pão sempre quentinho, do Julinho(ex jogador do Botafogo do Camacho) com seus croquetes, do Mano Bento e sua Banca, a mais arrumada do mercado, do ´Zé Ribeiro (irmão da Tia Francimar), do Raimundo Ribeiro, do Sr. Osmar Santos (Pandorra), do Sr. Luiz Gomes, do Macaco sempre correndo atrás dos saqueiros que viviam lhe perturbando, da Bico de Brasa com seu baton vermelho e de um ébrio que não lembro o seu nome que vivia imitando um sax, do Antonio e Zeca Gordo com suas bancas de carne, a banca de jornais do Sr. Barroso onde eu comprava pela manhã os jornais (A Tribuna, o Alto Madeira, o Guaporé e quando tinha, o Combatente), do Sr. Joaquim peixeiro, do Sr. Raimundo (genro do Manoel Miranda dos vinis). Lembro também daqueles que traziam mercadorias de São Paulo para atender os feirante, Sr. Vilaça (pai do Zé e do Jorge) Lopes (sandálias cachoeira), do Sr. Pedro Malaquias.
Agradeço ao Dadá que me incentivou a descrever nossas lembranças de Porto Velho, ao Valdir que nos cedeu espaço no seu site, ao Menezes que me fez lembrar várias pessoas da nossa terra. Valeu, vai ter mais, agora me empolguei, e a culpa é de vocês.

* Tomei a liberdade de extrair este texto do sítio do prof. Valdir Pereira (www.josevaldir.com), intelectual amante das artes, por três relevantes motivos: O "Cabeça de Onça" nele citado, é o "Negro Boto" que vos escreve; nem o autor do texto, nem seu hospedeiro, o emérito prof. Valdir, criariam qualquer obstáculo para eu reproduzí-lo e, por final, esse João Vianney "Camarão" Prado Melo, conseguiu nos emocionar com essas lembranças. Muito obrigado a esse irmão branco da família Batista Santos.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

DAS DELICIOSAS LÁGRIMAS

Oxalá a lenda turca sobre a origem do alho e da cebola esteja equivocada. Contam, que após a expulsão de Satanás do Paraíso, este conseguiu cair equilibrado na terra. No local onde desceu seu pé esquerdo, nasceu o alho, e no local do pé direito, teria nascido a cebola. A lenda talvez tenha origem no fato de a cebola, especialmente, ostentar em seu bulbo uma essência volátil e lacrimogênea, fortemente sulfurosa e cianídrica.
A cebola, assim como o alho, a echalota e o poró, segundo o taxonomista sueco Carolus Linnaeus (1707-1778), fazem parte da família botânica das Liliáceas e do gênero Allium, desse ramo, surgem 950 espécies diferentes. Da mesma família, o poró, a cebolinha-verde e a cebolinha-de-inverno, recebem mais de uma definição, problema causado pelo fato do gênero Allium, ser desconhecido em estado selvagem. A falta desse conhecimento científico nos deixa preocupados, principalmente quando lembramos da lenda turca.
Há cerca de 10 a 12 mil anos, o homem já aprendera a cultivar essas plantas. A complexidade das transformações por que passaram seus antecedentes, fizeram com que complicassem, também, na determinação histórica do nome comum do produto. O fio da meada, provavelmente, tenha início no grego arcaico kepe, que significa ardência, e aos poucos, foi-se transformando em kepaia, que no latim virou caepa e no gaulês se tornou cepa e cive, civet, ciboulette. Nos dialetos românicos chamava-se unio, por possuir uma única membrana embrionária ao redor da sua semente individual. Depois das modificações do francês, perdeu-se na obscuridade o termo airgum, que no período medieval se utilizava para caracterizar o alho, a cebola, a echalota, a raiz-forte e até o agrião.
Os primeiros a chorar com o corte da cebola, provavelmente foram os mesopotâmicos, os assírios e os caldeus, que as transportaram para o Egito. Em torno de 2.400 a.C., segundo uma inscrição cuneiforme sumeriana, a linguagem mais primitiva que se conhece, autoridades da Babilônia foram punidas por roubarem a iguaria, acompanhada de pepino, deixados como oferendas em um templo. O próprio Código de Hamurabi, que é um dos mais antigos conjuntos de leis já encontrados, elaborado por volta de 1.700 a.C., já estipulava que os miseráveis receberiam do governo, como donativo, uma ração mensal de pão e cebola, que também era alimento básico dos escravos que ergueram as pirâmides de Quéops, Quéfrem e Miquerinos.
Não foi privilégio dos antigos romanos a atenção com a cebola, com a qual costumavam rodear os corpos mumificados, particularmente entre o tórax e os braços, sobre os olhos e junto às orelhas. Na França, ainda hoje, numa seita religiosa de aproximadamente 4 mil fiéis (fanáticos), cada um deles come meia dúzia de cebolas cruas por dia, crentes que estão assegurando vida eterna.
Bem, não se sabe ao certo a forma, nem a época, mas a cebola chegou a Roma. Horácio, o poeta, no último século antes de Cristo, já glorificou a cebola como componente principal de sua “dieta econômica”. Marcus Gavius Apicius, na mesma época, em seu pioneiríssimo compêndio gastronômico, já mencionava a cebola em suas receitas de marinadas, molhos ou companhia para pratos de carne e peixe. O filósofo Lucius Yunius Moderatus Columella, no primeiro livro sobre agricultura, jamais publicado, por volta dos anos 50, manifestou sua paixão ardente pela cebola de Pompéia, nos arredores de Nápolis.
A história é longa. Os arquitetos eslavos, por exemplo, basearam-se nos desenhos bulbosos da cebola para enfeitarem as cúpulas e as torres das igrejas. Do apogeu do czarismo à implosão do leste europeu, lá estão elas, as cúpulas das igrejas russas demonstrando o fruto de suas inspirações.
As simpatias anti-lágrimas são muitas, indo desde o colocar de um palito de fósforo na boca, entre os dentes, ao processo de descascar e fatiar as cebolas debaixo d’água. O certo é que ela continua conosco, cruzando mares, entrando em novas civilizações e gerações, sempre nos proporcionando um paladar delicioso, sem comentar os efeitos positivos na saúde de quem as consome.
Na variedade gastronômica internacional, independente da nacionalidade, sempre, sempre mesmo que a cebola integrar algum prato, depois de um cuidadoso refogado, inevitavelmente ele ficará “gostoso prá diabo”!