quinta-feira, 26 de julho de 2007

QUEM SERÁ AGORA?

Quem haverá de me acorda para encher os caburões d’água, carregando em baldes feitos de latas de tinta, da casa do Osmar Cuscuzeiro ou da cacimba do “seu” Teixeira?
Quem haverá de me mandar buscar os pães caseiros para os cafés da manhã e da tarde, no Joaquim Procópio?
Quem haverá de me mandar ao Tales Benevides, para buscar o arroz do almoço? Percurso todo feito se repetindo o nome do que se fora buscar, para evitar o esquecimento.
Quem haverá de me vigiar para chegar em casa antes do papai chegar do Mercado Modelo, tomando cuidado para não estar “cinzentos” depois dos banhos nos igarapés da Ponte ou da Dona Malha, e aquela correria prá não ser “salgado” na saída. Longos banhos aqueles, com disputas de mergulho, brincadeira da pira e jogadas de cangapés.
Quem será que descascará meus tucumãs e pupunhas para eu comer com café?
Quem será que guardará aquele tutano maravilhoso, na hora do almoço, para eu misturar com farinha e me deliciar antes de degustar aquela caldeirada deliciosa?
Quem será que desembaraçará os punhos de minha rede, na hora do meu descanso, para que eu possa balançar-me com maior segurança e amenizar o calor causticante de Porto Velho? E esse punhos, quando quebrarem, quem será que os consertará, tecendo um a um?
Quem será que fará, nos pequenos longos períodos de frio, meu agasalho de flanela para me aquecer? E nas noites de febre, ou mesmo naquelas em que fingia, que esmigalhará os comprimidos de melhoral infantil, misturando com açúcar na água?
Quem será que fará a farofa de ovo para eu comer com banana prata ou café; quem fará os chibés, as tortas de sardinha para amenizar minha fome?
Quem será que guardará as correias das velhas sandálias havaianas e as consertará, quando preciso, mesmo usando grampos de cabelo quando aquele pino quebrar?
Quem será que passará o pente fino em minha cabeça, mesmo sob meus protestos, para tirar os piolhos e catar as lêndias?
Quem me chamará para casa, cedo da noite, para eu não ficar até tarde brincando da “pira”, de “rouba bandeira” ou “trinta e um alerta”?
Quem será que fiscalizará se “seu” Gustavo cortou o meu cabelo corretamente?
Quem será que fará meus calções de chitão colorido, folgados e confortáveis, onde eu possa enrolar no elástico da cintura, as petecas que ganhar brincando de “paredão” ou “teco-palmo”?
Quem velará pela minha formação espiritual, me levando mesmo com sono, para assistir as missas na igreja do Padre Mário – Homem Santo? Ou quando com febre, me levará para Dona Cotinha – Mulher Santa - rezar sobre minha cabeça com folhas de vassourinha?
Quem cuidará de minha formação de cidadão, me levando para as sessões da Câmara Municipal, onde os vereadores Leite e Paulo Struthos Filho me deixavam encantados com seus pronunciamentos fervorosos?
Quem será que me acolherá no colo, quando minha alma se rasgar – frágil que é como aqueles calções de chitão - e saberá com palavras e carinho, cerzi-la, restaurando-a e me preparando para outras guerras?
Quem será agora que fará tudo isso por mim?
... - Haverão de ser meus pais, Cecy e Zeferino, quando Deus, do alto de sua magnitude e benevolência, resolver me levar ao encontro deles, que tenho certeza, já se encontram em Sua companhia.

9 comentários:

Unknown disse...

JORGE

REALMENTE MUITO LINDO O POEMA SOBRE SEUS PAIS. QUEM OS CONHECEU SABE DA IMPORTANCIA EM SUA VIDA, O QUE PODE PARECER ÓBVIO, MAS NÃO É, ELES ERAM ESPECIAIS E, OS MOTIVOS, O POEMA POR SI SÓ PODE EXPLICAR.

Unknown disse...

Muito dez esse texto/poema. Lembra tudo que vivemos e fizemos e e eles fizeram. Mas fazer o quê?...lembrar. Mas afinal, qual o significado disso que chamamos vida?

Dadá

Unknown disse...

À parte o fato de não ter conhecido seus pais, posso, entretanto, imaginá-los, tomando você como referência amigo, companheiro, despreendido, lutador, enfim, se você é assim, com certeza alguém te fez assim e não foi só a vida. A genética é forte, muito forte. Agradeço aos dois por terem te colocado na minha vida, embora eles nem sonhassem com isso. Parabéns pelo poema e... produza mais!

Anônimo disse...

À parte o fato de não ter conhecido seus pais, posso imaginá-los, tomando-o como referência: amigo, companheiro, despreendido, responsável, enfim, uma grande pessoa. Embora eu saiba que a vida constrói indivíduos, também não ignoro que a genética tem um peso fantástico. Parabéns pelo poema. Continue a produzi-los.

Anônimo disse...

Eu nem precisava ler esse texto pra saber que esta foi a maneira que você foi criado, todas as marcas dessa infância linda refletem hoje na sua simplicidade, personalidade e presença iluminada. Com certeza, essas marcas e lembranças, entre outras coisas, eternizam a presença dos seus pais nesse mundo e amenizam a dor da saudade.Enquanto isso, segues bem o exemplo e vais construindo e deixando boas recordações e marcas por onde passas. Senti até o gostinho da minha infância através do seu texto, fui também muito feliz na poeirona de Rolim... :)

Um grande abraço pra vc e pra Beth, já está na hora de marcarmos uma nova visita!

Edelmiro disse...

Jorge

Apesar de não ter conhecido os seus pais, percebe-se o quanto eles fizeram a diferença em sua vida. E, é sempre bom valorizar aquelas pessoas que nos fez e faz crescer. Por isso, tenho sempre dito que quando queremos algo temos que buscar, independente das dificuldades encontradas. E, pelo visto, essa foi a maneira que você encontrou para enaltecer os seus Pais. Parabéns. Isso faz a diferença.

Anônimo disse...

Olá, acabei de chegar em casa depois de um dia exaustivo e de 5hs e meia de aula, fiz algo q não costumo fazer que é entrar e ir direto pro computador e hoje eu fiz isso e só agora entendo o por que. Vim de encontro a essas frases maravilhosas que me emocionaram e me fizeram derramar lágrimas e soluços mas, me sinto maravilhada por ter tido todas essas lembranças nesse dia tão longo q tive. Obrigada por isso, o sr. acabou de tornar o resto do meu dia florido, é lindo lembrar de meus avós, é lindo lembrar tudo que passei ao lado deles e melhor ainda é saber que um dia eu irei encontra-los novamente. Bjs

Unknown disse...

Lindo o poema, sem palavras...

Menezes disse...

Teu Poema, tua história é a história de cada um que também viveu aquele tempo. As personagens estão vivas nas lembranças de teus contemporâneos, nos quais também, incluo-me. Quem de nós, haverá de olvidar de ... Padre Mário; Dona Cotinha; Joaquim Procópio e acrescentaria mais ainda... Dona Chiquinha, da Escola Rui Barbosa, Grande Educadora, à moda antiga, responsável por minha alfabetização. Permita-me, Jorge, também estender vossa homenagem a essa lenda viva, da história da EDUCAÇÃO ESCOLAR, no queridão AREAL, em cuja escola, instalações modestas, formou crianças que se tornaram cidadãos mais tarde. E olha que ali estudaram crianças de bairros longíquos, não apenas do AREAL. Mesmo com a concorrência do Dom João Batista Costa, a demanda de alunos era maior que a oferta. E o torresmo do seu Major, marido de Dona CHIQUINHA; as bananas do seu Esmerindo; os biscoitos e balinhas à moda antiga, do seu Joaquim; o caldo de cana do seu Rebouças, do Rosendo Pascoal... Linda a homenagem e a forma com a qual reverencias teus pais, amigão. Fraternalmente! Menezes, Porto Velho.