quinta-feira, 9 de agosto de 2007

DAS DELICIOSAS LÁGRIMAS

Oxalá a lenda turca sobre a origem do alho e da cebola esteja equivocada. Contam, que após a expulsão de Satanás do Paraíso, este conseguiu cair equilibrado na terra. No local onde desceu seu pé esquerdo, nasceu o alho, e no local do pé direito, teria nascido a cebola. A lenda talvez tenha origem no fato de a cebola, especialmente, ostentar em seu bulbo uma essência volátil e lacrimogênea, fortemente sulfurosa e cianídrica.
A cebola, assim como o alho, a echalota e o poró, segundo o taxonomista sueco Carolus Linnaeus (1707-1778), fazem parte da família botânica das Liliáceas e do gênero Allium, desse ramo, surgem 950 espécies diferentes. Da mesma família, o poró, a cebolinha-verde e a cebolinha-de-inverno, recebem mais de uma definição, problema causado pelo fato do gênero Allium, ser desconhecido em estado selvagem. A falta desse conhecimento científico nos deixa preocupados, principalmente quando lembramos da lenda turca.
Há cerca de 10 a 12 mil anos, o homem já aprendera a cultivar essas plantas. A complexidade das transformações por que passaram seus antecedentes, fizeram com que complicassem, também, na determinação histórica do nome comum do produto. O fio da meada, provavelmente, tenha início no grego arcaico kepe, que significa ardência, e aos poucos, foi-se transformando em kepaia, que no latim virou caepa e no gaulês se tornou cepa e cive, civet, ciboulette. Nos dialetos românicos chamava-se unio, por possuir uma única membrana embrionária ao redor da sua semente individual. Depois das modificações do francês, perdeu-se na obscuridade o termo airgum, que no período medieval se utilizava para caracterizar o alho, a cebola, a echalota, a raiz-forte e até o agrião.
Os primeiros a chorar com o corte da cebola, provavelmente foram os mesopotâmicos, os assírios e os caldeus, que as transportaram para o Egito. Em torno de 2.400 a.C., segundo uma inscrição cuneiforme sumeriana, a linguagem mais primitiva que se conhece, autoridades da Babilônia foram punidas por roubarem a iguaria, acompanhada de pepino, deixados como oferendas em um templo. O próprio Código de Hamurabi, que é um dos mais antigos conjuntos de leis já encontrados, elaborado por volta de 1.700 a.C., já estipulava que os miseráveis receberiam do governo, como donativo, uma ração mensal de pão e cebola, que também era alimento básico dos escravos que ergueram as pirâmides de Quéops, Quéfrem e Miquerinos.
Não foi privilégio dos antigos romanos a atenção com a cebola, com a qual costumavam rodear os corpos mumificados, particularmente entre o tórax e os braços, sobre os olhos e junto às orelhas. Na França, ainda hoje, numa seita religiosa de aproximadamente 4 mil fiéis (fanáticos), cada um deles come meia dúzia de cebolas cruas por dia, crentes que estão assegurando vida eterna.
Bem, não se sabe ao certo a forma, nem a época, mas a cebola chegou a Roma. Horácio, o poeta, no último século antes de Cristo, já glorificou a cebola como componente principal de sua “dieta econômica”. Marcus Gavius Apicius, na mesma época, em seu pioneiríssimo compêndio gastronômico, já mencionava a cebola em suas receitas de marinadas, molhos ou companhia para pratos de carne e peixe. O filósofo Lucius Yunius Moderatus Columella, no primeiro livro sobre agricultura, jamais publicado, por volta dos anos 50, manifestou sua paixão ardente pela cebola de Pompéia, nos arredores de Nápolis.
A história é longa. Os arquitetos eslavos, por exemplo, basearam-se nos desenhos bulbosos da cebola para enfeitarem as cúpulas e as torres das igrejas. Do apogeu do czarismo à implosão do leste europeu, lá estão elas, as cúpulas das igrejas russas demonstrando o fruto de suas inspirações.
As simpatias anti-lágrimas são muitas, indo desde o colocar de um palito de fósforo na boca, entre os dentes, ao processo de descascar e fatiar as cebolas debaixo d’água. O certo é que ela continua conosco, cruzando mares, entrando em novas civilizações e gerações, sempre nos proporcionando um paladar delicioso, sem comentar os efeitos positivos na saúde de quem as consome.
Na variedade gastronômica internacional, independente da nacionalidade, sempre, sempre mesmo que a cebola integrar algum prato, depois de um cuidadoso refogado, inevitavelmente ele ficará “gostoso prá diabo”!

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